Das coisas nascem as coisas
Texto de Joana Consiglieri
Das coisas nascem coisas, de Beatriz Horta Correia, percepciona-se a experiência da coisa, enquanto natureza. Ao entender o fenómeno como transitoriedade, a matéria revela-se mutável, invisível e visível. Valoriza-se o processo como desconstrução e criação da obra de arte. Da destruição, contempla-se as matérias em transformação, como memórias, sombra e luz.
Beatriz Horta Correia, nesta exposição no Salão Belas Artes, remete-nos a Bruno Munari (1981), através da apropriação do título de uma das suas obras. A artista explora como se entende a coisa, enquanto fenómeno no ambiente, na concepção espaço-temporal, não propriamente a série de operações projectuais sobre o objecto. Apresentando uma série de trabalhos de desenho e de escultura.
A natureza manifesta-se em diferentes estados. Convida-nos a sentir a volatilidade da matéria, como se fossem apontamentos de instantes em ténues linhas e manchas, transparentes ou opacas, que se movimentam entre luz e sombra, pousando numa ‘névoa branca’. A coisa e a matéria são por si paisagens. Fruímos experiências do sensível, cujas palavras emergem de uma contínua narração, passam a ser fragmentadas e descontextualizadas, como uma memória desprendida dos indícios dos vocábulos ocultos, que realçam e cristalizam o tempo. [A páginas tantas, 2017]. Aglutinando numa síntese a linguagem e a imagem pictórica, as marcas repousam no silêncio. Tal como afirma Foucault (1966, p. 90), na sua obra As palavras e as coisas:
«As palavras agrupam sílabas, e as sílabas letras, porque há, depostas nestas, virtudes que as aproximam e as desunem, exactamente como no mundo as marcas se opõem ou se atraem umas às outras.»
Na aparente fragilidade da escultura em porcelana, o silêncio acentua a ausência do objecto, na impossibilidade da leitura, onde reside a metamorfose, na instalação intitulada Com que matéria se fazem poemas?
Joana Consiglieri
Lisboa, novembro de 2017
Exposição
Das coisas nascem coisas, Lisboa 2017
Lisboa